sexta-feira, dezembro 16, 2005

Avaliação, classificação, exames…


Penso que vale a pena abandonar os comentários e publicar um post que abarque alguns pontos que têm vinco a ser levantados a propósito da avaliação (em geral) e das classificações, incluindo exames. Vejo que o assunto suscita grande interesse, o que é normal, e tem igualmente proporcionado reflexões vossas muito pertinentes. Creio que o pouco que já expressei mostra qual é a minha posição. Eu sou, decididamente, pela avaliação – em todos os aspectos da educação ela é possível e desejável. Por exemplo, a medida que prevê que os livros escolares sejam objecto de avaliação e de uma espécie de certificação de qualidade faz todo o sentido. Ninguém deve ter receio da avaliação. Mas, como é evidente, tem de existir uma contrapartida séria: a avaliação tem de ser credível, transparente, e ela própria estar disponível para ser avaliada (à avaliação das avaliações costuma chamar-se meta-avaliação). Por exemplo, se o avaliador de um manual for, ele próprio, autor de um outro manual, a credibilidade dessa avaliação pode ser afectada. Eu sei que existe a ideia de que para avaliar é necessário ser-se perito no que se avalia, mas essa é uma ideia que tem sido encorajada por uma certa defesa de territórios que não me parece que seja correcta. Eu posso não ser perito numa área como seu pertencente e no entanto ser capaz de, perante critérios claros, avaliar o que for nela for feito (costuma dizer-se, a brincar, que qualquer pessoa pode avaliar bem o trabalho de um cozinheiro e no entanto não saber cozinhar). A definição dos critérios é essencial e a avaliação acabará por ser, na verdade, a arte de aplicar os critérios a situações reais.

O resultado da avaliação deve ter um carácter eminentemente formativo, e é neste aspecto que ela se distingue da classificação: uma avaliação deve sempre permitir revisão (seja em relação a um objecto, por exemplo um livro, seja em relação a uma pessoa).

Ao contrário, a classificação é definitiva, e por isso é necessário ter alguns cuidados em relação aos seus efeitos. Essa é a razão porque defendo, como sabem, que na educação básica não existam exames e consequentes classificações, que não têm mais valor do que avaliações formativas, as quais não são punitivas mas sim estimulantes para vencer as dificuldades.

Na sequência da escolaridade, alguns exames podem justificar-se sempre que for necessária uma selecção – e coloco, aí, a entrada na Universidade. Todavia, defendo que o exame não constitua a peça única, definitiva, devendo existir outro tipo de análises moderadoras. O que naturalmente é difícil, por muitos motivos.

Lembro, a finalizar, que há situações no âmbito profissional em que exames rigorosos e selectivos se justificam, para defesa da sociedade que tem de confiar na capacidade de quem exerce uma profissão. E talvez lamente que esse rigor falte em relação à nossa profissão, que tende a desculpar, na formação inicial ou ao longo da vida profissional, falhas graves que podem prejudicar crianças e jovens. Os adultos proteger-se-ão melhor…

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Bom Natal!!!





Que esta seja uma Quadra de Paz, Amor e Harmonia!

Que por um dia todos os povos calem as suas armas

que não se ouça uma criança a chorar

que nenhum homem morra de fome

que todos sintam a alegria da Saúde

que nos esqueçamos de nós, lembrando-nos dos outros

que em cada Lar exista Amor

que não haja nenhum velhinho só

que a Luz desta noite brilhante ilumine os governantes para acabarem com os desperdícios

que em vez de oferecermos prendas façamos deste dia um Ano de Amor com o próximo

Que seja Natal, em todo o lado, para todos, e que este espírito nos fortaleça para viver esta dádiva da Vida

Delfim Peixoto



quarta-feira, dezembro 14, 2005

Práticas de Avaliação

“The Way Tests Teach: Children’s Theories of How Much Testing is Fair in School”[1] é o capítulo sobre o qual baseio este post. A sua autora descreve um estudo realizado nos Estados Unidos da América, que teve como objectivo conhecer a opinião das crianças acerca dos testes e outras formas de avaliação que se realizam na escola.

Questionaram crianças de três escolas diferentes, com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos, sobre a quantidade justa de testes a fazer-se na escola (“How much testing is fair in school”). Foram apresentadas aos alunos cinco práticas diferentes para avaliar os alunos, que vou descrever sucintamente:
(1) Questionários Diários: todos os dias o professor dá um curto teste aos alunos sobre uma das áreas disciplinares;
(2) Testes Quinzenalmente: de duas em duas semanas os alunos realizam um teste, um pouco mais extenso do que o questionário;
(3) Um Teste “Padrão” Anual: o professor dá só um teste por ano escolar, mas durante o mesmo os alunos realizam projectos, fazem os trabalhos de casa, escrevem relatórios, etc.;
(4) Todos os Testes Anteriores: todos os dias os alunos respondem a um pequeno questionário, fazem testes quinzenalmente e na última semana de aulas do ano escolar realizam um teste “padrão”;
(5) Debates na Aula: o professor não dá testes escritos, quando quer saber o que eles aprenderam faz perguntas para a turma e os alunos que levantarem o braço respondem. Isto acontece durante todo o ano, avaliando também os projectos realizados pelos alunos.

Depois de feita esta apresentação às crianças seleccionadas para integrar este estudo, foram-lhes colocadas as seguintes questões sobre cada uma das práticas acima referidas: Isto seria justo? Porquê? Pensariam os alunos que aprendem mais rápido (fast learners) que isto é justo? Porquê? Pensariam os alunos que aprendem mais devagar (slower learners) que isto é justo? Porquê? Se o professor quisesse descobrir quem está preparado para passar ao nível seguinte e quem não está, isto seria justo fazer-se? Porquê?
A segunda etapa, consistiu em agrupar as práticas em conjuntos de dois e questionar as crianças sobre cada par: Qual é a mais justa? Porquê? Qual é aquela que os alunos que aprendem mais rápido (fast learners), achariam mais justa? Porquê? Qual é aquela que os alunos que aprendem mais devagar (slower learners), achariam mais justa? Porquê?

Às questões não se obtiveram respostas consensuais, elas variaram mais visivelmente de acordo com as escolas que as crianças frequentavam. È muito interessante ler algumas das respostas dadas pelos alunos.

Reflexão Pessoal:
Cada prática de avaliação adoptada pelo docente, parece-me óbvio, terá que ter sempre em atenção os vários contextos, os alunos, a turma e a escola. Contudo mais importante ainda, na minha opinião, é o “à vontade” que o professor tem ou não na aplicação de uma determinada prática de avaliação. Já conversei com alguns colegas professores que confessavam não se sentirem confortáveis com um determinado tipo de avaliação que não incluísse testes escritos realizados pelos alunos. Assim sendo os seus alunos realizavam testes escritos frequentemente e no final de cada período lectivo os colegas sentiam um maior sentido de justiça aquando da atribuição dos níveis de avaliação. Eu com a minha breve experiência de prática docente (mas longa como discente), sinto-me mais “confortável” na aplicação da prática de avaliação baseada nos debates na aula. Considero que na disciplina que lecciono (Educação Visual e Tecnológica) através das questões que vou colocando à turma permito que se mantenha um ambiente de aprendizagem respeitando o ritmo de cada aluno, não intimidando os alunos que não sabem todas as respostas, e criando momentos em que uns aprendem com as respostas dos outros. Claro que avalio também todos os processos e trabalhos realizados durante as aulas.

O professor deve-se sentir bem com a prática pela qual optou avaliar os alunos, e deve proporcionar também momentos de diálogo com os alunos de modo a perceber como é que eles se sentem em relação à forma como são avaliados. È o processo contínuo de avaliação do trabalho e capacidades de cada aluno, aquele que mais deve “pesar” para a classificação final da disciplina num ano lectivo.

[1] Leicester, M.Modgil, C., & Modgil, S. (2000). The Way Tests Teach: Children’s Theories of How Much Testing is Fair in School. In Education, culture and values. London: Falmer Press. (Vol.III: Classroom issues: Practice, Pedagogy and Curriculum. pp.61-76)

terça-feira, dezembro 13, 2005

O que é a cultura material?

A cultura material está associada à arqueologia e inclui um conjunto de objectos: tecidos, utensílios, ferramentas, adornos, meios de transporte, moradias, etc., que formam o ambiente concreto de determinada sociedade.
Aproveitando as matérias-primas oferecidas pela própria natureza, e para seu próprio benefício, o ser humano criou diversos utensílios capazes de responder às suas reais necessidades. O desenvolvimento cultural e social das várias sociedades implementou - e implementa - um conjunto de formas que, para além de úteis fossem também consideradas belas, do ponto de vista estético, de forma a conceber e a poroporcionar um certo grau de satisfação tanto para o uso como para os olhos. Tudo isto é um reflexo do pensamento e dos valores de cada cultura e de cada sociedade.
Referência

segunda-feira, dezembro 12, 2005

A Educação Reflexiva

"Se hoje se fala em educar as pessoas como o mundo precisa, é importante que se compreenda que esse processo, necessariamente, não será uma educação para o conformismo, mas voltada à liberdade e à autonomia. Surge, pois, no cenário educacional, uma nova cultura, denominada “cultura reflexiva”, que representa a criação de uma nova postura em face às situações educativas, quando as práticas tradicionais dos professores não responderam aos problemas presentes. A origem da “cultura reflexiva” no ensino tem, como marco, a Teoria da Indagação, de John Dewey (1859-1952), que foi um filósofo, psicólogo e educador norte-americano que influenciou, de forma determinante, o pensamento pedagógico contemporâneo. As suas obras foram fundamentais para que o movimento da Escola Nova tomasse impulso e se propagasse por quase todo o mundo, sendo citado, por muitos, como o pai da educação progressista. O enfoque que dava à pedagogia era voltado à experiência prática, sendo, por isso, às vezes, chamada de fazendo e aprendendo. A experiência concreta da vida, para Dewey, surge sempre ao nos depararmos com problemas, e a educação deve tomar para si essa condição, enfrentando-a com uma atitude ponderada, cuidadosa, persistente e activa, para garantir o melhor desenvolvimento do educando. Segundo ele, diante de algum problema, o acto de pensar deve ancorar-se nos seguintes pontos: 1) uma necessidade sentida, ou seja, o problema; 2) a análise da dificuldade; 3) as alternativas de solução do problema; 4) a experimentação de várias soluções, até que o teste mental aprove uma delas, e 5) a acção como prova final para a solução proposta, que deve ser verificada de maneira científica. Dewey argumenta que o processo de reflexão inicia-se no enfrentamento de dificuldades de difícil superação, e a instabilidade gerada perante essas situações leva o indivíduo a analisar as experiências anteriores. Sendo uma análise reflexiva, envolverá a ponderação cuidadosa, persistente e activa das suas crenças e práticas à luz da lógica da razão que a apoia. Nessa reflexão, estarão envolvidas, com a mesma intensidade, a intuição, a emoção e a paixão, e a lógica da razão e da emoção estão atreladas entre si e caracterizam-se pela visão ampla de perceber os problemas. As pessoas com acções reflexivas não ficam presas a uma só perspectiva, examinam, criteriosamente, as alternativas que a elas se apresentam como viáveis, como também aquelas que lhes parecem mais distantes da solução, com o mesmo rigor, seriedade e persistência . De entre os adeptos da “cultura reflexiva” voltada à educação, Lawrence Stenhouse, um educador inglês que, na década de setenta, dedicou toda sua carreira à luta por reconhecer no professor uma postura de produtor de conhecimentos sobre as situações vividas na sua prática docente, e não apenas como simples reprodutor e executor de conhecimentos previamente estabelecidos, definiu, como princípios para o processo pedagógico, entre outros: tratar, na aula, questões controversas; trabalhar o diálogo, e não a instrução, como actividade central da aula; não usar, por parte dos professores, a autoridade para apresentar os seus pontos de vista como se fossem verdades objectivas; respeitar pontos de vista divergentes; assumir, por parte dos professores, a responsabilidade pela qualidade e nível de aprendizagem.No progressivo desenvolvimento da “cultura reflexiva”, ainda em processo, um dos autores que teve maior peso na difusão do conceito de “reflexão”, foi Donald Schön, filósofo e pedagogo norte-americano que tem centrado os seus estudos e as suas preocupações nos problemas de aprendizagem, nas organizações e na eficácia profissional. Os pressupostos de Shön, apoiados na herança do pensamento de Dewey acerca da reflexão aplicada às questões educacionais, começaram a ser difundidos por meio de dois dos seus livros “The Reflective Practitioner” e “Educating the Reflective Practitioner”, que contribuíram para popularizar as teorias sobre a epistemologia da prática (termo utilizado para se referir ao estudo das teorias do conhecimento, adquirido através de actividades práticas). O autor segue uma linha de argumentação centrada no saber profissional, tomando como ponto de partida a “reflexão-na-acção”, que é realizada ao se defrontar com situações de incertezas, singularidade e conflito, sempre amparado por um tutor de aprendizagem prática, numa relação mediada pelo diálogo entre tutor e estudante, onde “a atitude de dizer e demonstrar " do tutor se combina com a atitude de escutar e imitar do estudante e, nesse sentido, uma “reflexão-na-acção” de ambos, o que implica aprender a prática de um prático, praticando. Nesse processo efectiva-se a aprendizagem, o que é chamado por Shön de um círculo vicioso de aprendizagem”. Os pressupostos propagados por Donald Shön comentam que ele centra a sua concepção de desenvolvimento de uma prática reflexiva, para a formação de um profissional reflexivo, em três ideias centrais: o “conhecimento-na-acção”, a “reflexão-na-acção” e a “reflexão sobre a reflexão-na-acção”. O “conhecimento-na-acção” traz consigo um saber que está presente nas acções profissionais as quais, por sua vez, vêm carregadas de um “saber escolar”, entendido como um tipo de conhecimento supostamente possuído pelos profissionais; uma visão dos saberes profissionais como factos e teorias aceites. É esse “saber escolar” que possibilita ao profissional transitar no seu meio e poder agir, por possuir “um conhecimento na acção”. Porém, o “saber escolar” também se caracteriza por estar colado a um certo modo de encarar as situações do quotidiano e por revelar um conhecimento espontâneo, intuitivo, experimental. O conhecimento, portanto, está na acção em si, e revelamo-lo por meio de acções espontâneas e habilidades. Shön considera que o “conhecimento-na-acção” pode ser compreendido, também, como conhecimento técnico ou solução de problemas, ou seja, é o componente inteligente que orienta toda a actividade humana e manifesta-se no “saber fazer”. A “reflexão-na-acção”, para Shön, está em relação directa com a acção presente, ou seja, com o “conhecimento-na-acção”, e significa produzir uma pausa - para reflectir - em meio à acção presente, um momento em que paramos para pensar, para reorganizar o que estamos a fazer, reflectindo sobre a acção presente. Para ele, se observarmos e reflectirmos sobre as nossas acções, podemos descrever um conhecimento que nelas está implícito. Então, mediante a observação e a reflexão, podemos descrever e explicitar essas acções e, para isso, posicionamo-nos diante do que desejamos observar, podendo, então, encontrar novas pistas para a solução dos problemas que se nos apresentam. Na vida quotidiana, frequentemente pensamos sobre o que fazemos ao mesmo tempo em que actuamos. Para Shön, é esse componente que representa a “reflexão na- acção”, ou seja, o processo de diálogo com a situação problemática que exige uma intervenção concreta. Considera que, nesse processo, o profissional envolvido com a situação, encontra-se constrangido pelas pressões espaciais e temporais e pelas solicitações psicológicas e sociais do cenário em que actua. Portanto, “é um processo de reflexão sem o rigor, a sistematização e o distanciamento requerido pela análise racional, mas com a riqueza da captação viva e imediata das múltiplas variáveis intervenientes e com a grandeza da improvisação e criação”. Essa “reflexão-na-acção” só se desencadeia quando não encontramos respostas às situações inesperadas que emergem da acção presente e, então, posicionamo-nos criticamente perante o problema e questionamos as estruturas de suposição do “conhecimento-na-acção”. Pensamos de maneira crítica sobre o pensamento que nos levou a essa situação-surpresa e, durante o processo, podemos reestruturar estratégias de acção: pela compreensão do fenómeno ou pela maneira de formular o problema. Shön considera que “é impossível aprender sem ficar confuso”. Esse distanciamento da acção presente, para reflectirmos, é um movimento que pode ser desencadeado sem gerar, necessariamente, uma explicação verbal, uma sistematização teórica. Todavia, ao produzirmos uma descrição verbal, isto é, uma reflexão sobre a nossa reflexão da acção passada, podemos influir, directamente, em acções futuras, colocando em prova uma nova compreensão do problema. Esse momento é designado por Shön como o da “reflexão sobre a reflexão-na-acção”, que é caracterizado pela intenção de se produzir uma descrição verbal da “reflexão-na-acção”. É necessário, ainda, a capacidade de se reflectir acerca da descrição resultante, podendo-se gerar modificações em acções futuras, ou seja: quando se reflecte sobre a “reflexão-na-acção”, julgando e compreendendo o problema, pode-se imaginar uma solução para ele. A “reflexão sobre a reflexão-na-acção” pode ser considerada como a análise que o indivíduo realiza a posteriori sobre as características e processos da sua própria acção. É a utilização do conhecimento para descrever, analisar e avaliar os vestígios deixados na memória por intervenções anteriores. Para o autor, “na reflexão sobre a acção”, o profissional prático, liberto dos condicionamentos da situação prática, pode aplicar os instrumentos conceituais e as estratégias de análise no sentido da compreensão e da reconstrução da sua prática”. Esses três processos descritos - “o conhecimento na- acção”, “a reflexão-na-acção” e a “reflexão sobre a reflexão-na-acção” - constituem o “pensamento prático” do profissional, com o qual enfrenta as situações “divergentes” da prática. Esses processos não são independentes, mas, sim, completam-se entre si para garantir uma intervenção prática racional. "



Shön DA. The reflective practitioner. New York (EUA): Basic
Books; 1983.
Shön DA. Educating the reflective practitioner. New York
(EUA): Jossey-Bass; 1987.
Apontamentos de Desenvolvimento Curricular, Profissionalização em Serviço, CEFOPE-UM; 1983/84
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