terça-feira, novembro 08, 2005

Para a aula do dia 11 - Diversidade cultural: o visível e o invisível nas culturas; implicações para o currículo


A questão já foi aflorada numa das aulas anteriores mas não foi discutida: haverá razão para falarmos de cultura portuguesa? Em 1992, realizou-se no Porto (na Casa das Artes), o que se chamou uma mesa redonda intitulada “Existe uma Cultura Portuguesa?”, na qual participaram 17 convidados, os quais foram moderados por Augusto Santos Silva e Vítor Oliveira Jorge. Existe um livro com todas as intervenções feitas*. Como veremos na aula, Eduardo Lourenço (que eu creio todos conhecem, como um dos grandes ensaístas portugueses contemporâneos), acabará por dizer que a resposta “é não”.

A discussão sobre a existência ou não existência de uma cultura portuguesa faria sentido se existissem critérios seguros para o afirmar ou infirmar; e pareceu faltarem. Recuperei das minhas leituras de há muitos anos um livro de um historiador de arte, René Huyghe: Dialogue avec le visible, do qual existe uma tradução portuguesa**, na qual ele reflecte sobre arte de uma maneira que penso poder aplicar-se à análise do problema cultural (a arte não será uma das formas mais claras da cultura?):

[L]'art contemporain sait que les lignes et les couleurs détiennent un pouvoir d'évocation capable de rouvrir les chemins de l'âme... Rien ne se fait en art par la volonté seule, tout se fait par la soumission docile à la venue de l'inconscient. L'art précise aux hommes les fatalités dont l'artiste est le jouet et elles les affranchissent des tentations, des formules et des modes, parce qu'elles démontrent combien celles-ci avec leur perpétuel renouvellement sont relatives et vaines. Seule subsiste la qualité qui ne peut se ramener à aucune recette comme à aucune définition … La compréhension et la connaissance de l'œuvre d'art naissent de son mystère, elles le cernent avec précision, elles le définissent au sens propre en fixant les limites où elles commencent. L'heure est alors venue de faire silence pour faire monter le muet langage.

(Tradução)

A arte contemporânea sabe que as linhas e as cores têm um poder de evocação capaz de refazer os caminhos da alma … Em arte nada se faz apenas pela vontade, tudo se faz pela submissão dócil à mercê do inconsciente. A arte determina aos homens as fatalidades de que o artista é joguete e libertam-no de tentações, fórmulas e modos, porque demonstram quanto elas, com a sua renovação perpétua, são relativas e vãs. Somente subsiste a qualidade que não se pode reduzir a nenhuma receita como a nenhuma definição … A compreensão e o conhecimento da obra de arte nascem do seu mistério, circundam-no com precisão, definem-no no sentido próprio fixando os limites onde elas começam. Chegou a hora de fazer silêncio para dar lugar à linguagem muda.

Duas questões para a vossa reflexão.

A primeira: este texto, escrito tendo em mente a expressão plástica (“as linhas e as cores”), não se pode aplicar à criação musical (no duplo aspecto de produção e execução)?

A segunda: até que ponto terei razão ao encontrar um paralelo com a cultura, em sentido lato, pensando que o lado visível da cultura que eventualmente pudesse ser considerado como característica dominante tem a suportá-lo, por vezes inconscientemente, uma escora invisível que, essa sim, é idiossincrática?

Se assim for, as implicações que esta posição teórica tem para com o currículo são necessariamente aumentadas, de acordo com os princípios gerais que temos vindo a discutir e que aceitam a inclusão e a diferenciação pedagógica como estratégias.

O aprofundamento deste tópico será objecto da aula do dia 11.
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* Silva, A. S., & Jorge, V. O. (Eds.) (1993). Existe uma cultura portuguesa? Porto: Edições Afrontamento. Há um exemplar na BGUM [Código 008 (469)].

** Huyghe, R. (1994). Diálogo com o visível. Lisboa: Bertrand. (Não há exemplares na BGUM).

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