"Se hoje se fala em educar as pessoas como o mundo precisa, é importante que se compreenda que esse processo, necessariamente, não será uma educação para o conformismo, mas voltada à liberdade e à autonomia. Surge, pois, no cenário educacional, uma nova cultura, denominada “cultura reflexiva”, que representa a criação de uma nova postura em face às situações educativas, quando as práticas tradicionais dos professores não responderam aos problemas presentes. A origem da “cultura reflexiva” no ensino tem, como marco, a Teoria da Indagação, de John Dewey (1859-1952), que foi um filósofo, psicólogo e educador norte-americano que influenciou, de forma determinante, o pensamento pedagógico contemporâneo. As suas obras foram fundamentais para que o movimento da Escola Nova tomasse impulso e se propagasse por quase todo o mundo, sendo citado, por muitos, como o pai da educação progressista. O enfoque que dava à pedagogia era voltado à experiência prática, sendo, por isso, às vezes, chamada de fazendo e aprendendo. A experiência concreta da vida, para Dewey, surge sempre ao nos depararmos com problemas, e a educação deve tomar para si essa condição, enfrentando-a com uma atitude ponderada, cuidadosa, persistente e activa, para garantir o melhor desenvolvimento do educando. Segundo ele, diante de algum problema, o acto de pensar deve ancorar-se nos seguintes pontos: 1) uma necessidade sentida, ou seja, o problema; 2) a análise da dificuldade; 3) as alternativas de solução do problema; 4) a experimentação de várias soluções, até que o teste mental aprove uma delas, e 5) a acção como prova final para a solução proposta, que deve ser verificada de maneira científica. Dewey argumenta que o processo de reflexão inicia-se no enfrentamento de dificuldades de difícil superação, e a instabilidade gerada perante essas situações leva o indivíduo a analisar as experiências anteriores. Sendo uma análise reflexiva, envolverá a ponderação cuidadosa, persistente e activa das suas crenças e práticas à luz da lógica da razão que a apoia. Nessa reflexão, estarão envolvidas, com a mesma intensidade, a intuição, a emoção e a paixão, e a lógica da razão e da emoção estão atreladas entre si e caracterizam-se pela visão ampla de perceber os problemas. As pessoas com acções reflexivas não ficam presas a uma só perspectiva, examinam, criteriosamente, as alternativas que a elas se apresentam como viáveis, como também aquelas que lhes parecem mais distantes da solução, com o mesmo rigor, seriedade e persistência . De entre os adeptos da “cultura reflexiva” voltada à educação, Lawrence Stenhouse, um educador inglês que, na década de setenta, dedicou toda sua carreira à luta por reconhecer no professor uma postura de produtor de conhecimentos sobre as situações vividas na sua prática docente, e não apenas como simples reprodutor e executor de conhecimentos previamente estabelecidos, definiu, como princípios para o processo pedagógico, entre outros: tratar, na aula, questões controversas; trabalhar o diálogo, e não a instrução, como actividade central da aula; não usar, por parte dos professores, a autoridade para apresentar os seus pontos de vista como se fossem verdades objectivas; respeitar pontos de vista divergentes; assumir, por parte dos professores, a responsabilidade pela qualidade e nível de aprendizagem.No progressivo desenvolvimento da “cultura reflexiva”, ainda em processo, um dos autores que teve maior peso na difusão do conceito de “reflexão”, foi Donald Schön, filósofo e pedagogo norte-americano que tem centrado os seus estudos e as suas preocupações nos problemas de aprendizagem, nas organizações e na eficácia profissional. Os pressupostos de Shön, apoiados na herança do pensamento de Dewey acerca da reflexão aplicada às questões educacionais, começaram a ser difundidos por meio de dois dos seus livros “The Reflective Practitioner” e “Educating the Reflective Practitioner”, que contribuíram para popularizar as teorias sobre a epistemologia da prática (termo utilizado para se referir ao estudo das teorias do conhecimento, adquirido através de actividades práticas). O autor segue uma linha de argumentação centrada no saber profissional, tomando como ponto de partida a “reflexão-na-acção”, que é realizada ao se defrontar com situações de incertezas, singularidade e conflito, sempre amparado por um tutor de aprendizagem prática, numa relação mediada pelo diálogo entre tutor e estudante, onde “a atitude de dizer e demonstrar " do tutor se combina com a atitude de escutar e imitar do estudante e, nesse sentido, uma “reflexão-na-acção” de ambos, o que implica aprender a prática de um prático, praticando. Nesse processo efectiva-se a aprendizagem, o que é chamado por Shön de um círculo vicioso de aprendizagem”. Os pressupostos propagados por Donald Shön comentam que ele centra a sua concepção de desenvolvimento de uma prática reflexiva, para a formação de um profissional reflexivo, em três ideias centrais: o “conhecimento-na-acção”, a “reflexão-na-acção” e a “reflexão sobre a reflexão-na-acção”. O “conhecimento-na-acção” traz consigo um saber que está presente nas acções profissionais as quais, por sua vez, vêm carregadas de um “saber escolar”, entendido como um tipo de conhecimento supostamente possuído pelos profissionais; uma visão dos saberes profissionais como factos e teorias aceites. É esse “saber escolar” que possibilita ao profissional transitar no seu meio e poder agir, por possuir “um conhecimento na acção”. Porém, o “saber escolar” também se caracteriza por estar colado a um certo modo de encarar as situações do quotidiano e por revelar um conhecimento espontâneo, intuitivo, experimental. O conhecimento, portanto, está na acção em si, e revelamo-lo por meio de acções espontâneas e habilidades. Shön considera que o “conhecimento-na-acção” pode ser compreendido, também, como conhecimento técnico ou solução de problemas, ou seja, é o componente inteligente que orienta toda a actividade humana e manifesta-se no “saber fazer”. A “reflexão-na-acção”, para Shön, está em relação directa com a acção presente, ou seja, com o “conhecimento-na-acção”, e significa produzir uma pausa - para reflectir - em meio à acção presente, um momento em que paramos para pensar, para reorganizar o que estamos a fazer, reflectindo sobre a acção presente. Para ele, se observarmos e reflectirmos sobre as nossas acções, podemos descrever um conhecimento que nelas está implícito. Então, mediante a observação e a reflexão, podemos descrever e explicitar essas acções e, para isso, posicionamo-nos diante do que desejamos observar, podendo, então, encontrar novas pistas para a solução dos problemas que se nos apresentam. Na vida quotidiana, frequentemente pensamos sobre o que fazemos ao mesmo tempo em que actuamos. Para Shön, é esse componente que representa a “reflexão na- acção”, ou seja, o processo de diálogo com a situação problemática que exige uma intervenção concreta. Considera que, nesse processo, o profissional envolvido com a situação, encontra-se constrangido pelas pressões espaciais e temporais e pelas solicitações psicológicas e sociais do cenário em que actua. Portanto, “é um processo de reflexão sem o rigor, a sistematização e o distanciamento requerido pela análise racional, mas com a riqueza da captação viva e imediata das múltiplas variáveis intervenientes e com a grandeza da improvisação e criação”. Essa “reflexão-na-acção” só se desencadeia quando não encontramos respostas às situações inesperadas que emergem da acção presente e, então, posicionamo-nos criticamente perante o problema e questionamos as estruturas de suposição do “conhecimento-na-acção”. Pensamos de maneira crítica sobre o pensamento que nos levou a essa situação-surpresa e, durante o processo, podemos reestruturar estratégias de acção: pela compreensão do fenómeno ou pela maneira de formular o problema. Shön considera que “é impossível aprender sem ficar confuso”. Esse distanciamento da acção presente, para reflectirmos, é um movimento que pode ser desencadeado sem gerar, necessariamente, uma explicação verbal, uma sistematização teórica. Todavia, ao produzirmos uma descrição verbal, isto é, uma reflexão sobre a nossa reflexão da acção passada, podemos influir, directamente, em acções futuras, colocando em prova uma nova compreensão do problema. Esse momento é designado por Shön como o da “reflexão sobre a reflexão-na-acção”, que é caracterizado pela intenção de se produzir uma descrição verbal da “reflexão-na-acção”. É necessário, ainda, a capacidade de se reflectir acerca da descrição resultante, podendo-se gerar modificações em acções futuras, ou seja: quando se reflecte sobre a “reflexão-na-acção”, julgando e compreendendo o problema, pode-se imaginar uma solução para ele. A “reflexão sobre a reflexão-na-acção” pode ser considerada como a análise que o indivíduo realiza a posteriori sobre as características e processos da sua própria acção. É a utilização do conhecimento para descrever, analisar e avaliar os vestígios deixados na memória por intervenções anteriores. Para o autor, “na reflexão sobre a acção”, o profissional prático, liberto dos condicionamentos da situação prática, pode aplicar os instrumentos conceituais e as estratégias de análise no sentido da compreensão e da reconstrução da sua prática”. Esses três processos descritos - “o conhecimento na- acção”, “a reflexão-na-acção” e a “reflexão sobre a reflexão-na-acção” - constituem o “pensamento prático” do profissional, com o qual enfrenta as situações “divergentes” da prática. Esses processos não são independentes, mas, sim, completam-se entre si para garantir uma intervenção prática racional. "
Shön DA. The reflective practitioner. New York (EUA): Basic
Books; 1983.
Shön DA. Educating the reflective practitioner. New York
(EUA): Jossey-Bass; 1987.
Apontamentos de Desenvolvimento Curricular, Profissionalização em Serviço, CEFOPE-UM; 1983/84
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